“Forcem-nos a pagar mais impostos” – Deboche ou reconhecimento da exploração que cometem?
No dia 18/01/22 fomos surpreendidos com um pedido inusitado. Em carta, 100 milionários e bilionários, pediram aos líderes políticos e empresariais, reunidos virtualmente, no Fórum Econômico Mundial (Davos – Suíça): “Forcem-nos a pagar mais impostos”.
Em carta, 100 milionários e bilionários, pediram aos líderes políticos e empresariais, reunidos virtualmente, no Fórum Econômico Mundial (Davos – Suíça): “Forcem-nos a pagar mais impostos”. Justificaram seu pedido: “Como milionários sabemos que o atual sistema tributário não é justo. A maioria de nós pode dizer que, enquanto o mundo atravessou uma carga imensa de sofrimento nos últimos dois anos, nós na verdade vimos nossa fortuna crescer durante a pandemia – poucos ou nenhum de nós pode honestamente dizer pagamos nossa parte justa em impostos” (1).
No dia anterior (17/01/22) a OXFAN apresentou o Relatório chamado: A Desigualdade Mata, que mostra quanto os milionários e bilionários ganharam na pandemia: “Durante os dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, os 10 homens mais ricos do mundo mais que dobraram suas fortunas, de US$ 700 bilhões para US$ 1,5 trilhão. Enquanto isso, a renda de 99% da sociedade caiu e mais de 160 milhões passaram a integrar as estatísticas de pobreza” (2).
Fico na dúvida! O pedido revela o reconhecimento da iniquidade da desigualdade econômica e social produzida pelas corporações econômicas, financeiras e indústrias capitalistas ou soa como um deboche escrachado frente ao sofrimento da maioria da população?
Vamos dar o crédito que estes cem milionários e bilionários estejam conscientes dos problemas causados pela desigualdade econômica e social, descrita pela Oxfan e estejam interessados em mudar esta situação. Neste caso cabem mais perguntas: Qual o poder desta carta sem estar acompanhada de medidas ou propostas econômicas e políticas concretas que indiquem esta mudança de postura? Não será apenas uma manifestação retórica. oportunista e sarcástica?
Posto isto, poderiam, por exemplo:
Terem criado um “Fundo Solidário”, com os impostos que não pagaram, para comparar e doar vacinas para os países pobres sem condições de comprá-las. Para tanto, bastaria 70% do ganho que as cinco das maiores corporações obtiveram em 2021.
Pressionar as corporações farmacêuticas (que se beneficiaram com recursos públicos, na ordem de 4,1 bilhões de dólares, para desenvolver as vacinas) a liberar o licenciamento gratuito (quebra das patentes) permitindo que os países pobres produzissem a vacina para suas populações sem pagar os royalties (que rende lucros exorbitantes) para as farmacêuticas.
Destinar as imensas fortunas que as corporações doam aos Think Tanks (3) de extrema-direita para desestabilizar governos como na Venezuela, Cuba, Brasil (MBL em 2016 contra a Dilma), Bolívia, primavera árabe, República do Turcomenistão e em tantos outros para projetos voltados ao desenvolvimento dos países pobres.
Pressionar os governos de seus países a suspender as sanções econômicas ou as guerras impostas aos países que se opõem a exploração das corporações que lhe roubam as riquezas e exploram seus trabalhadores.
Exigir que os organismos multilaterais internacionais como OCDE, OMC, Banco Mundial, FMI estabeleçam relações solidárias e justas em vez das metidas neoliberais que levam a pobreza, a dependência e a desigualdade.
Mobilizar e comprometer suas entidades de classe para pressionar os governos de seus países a criarem um sistema tributário mais equitativo e justo.
Pressionar os governos que as corporações apoiam a taxar as grandes fortunas e criar um Programa Mundial de Renda Básica Universal e permanente para socorrer os milhões que vivem na pobreza absoluta.
Por hora, mesmo com o crédito de serem bem-intencionados, esta carta soa mais como uma confissão de culpa pelas injustiças que cometem do que uma posição econômica e política objetiva e eficaz com capacidade de mudar o modo de ser e explorar das corporações capitalistas e os regimes políticos que as sustentam. O modelo econômico neoliberal é incapaz – pelos seus princípios – de trabalhar pelo desenvolvimento de todas as pessoas ou nações de forma igual, pois sua prioridade é a defesa dos privilégios dos que detém o capital.
Já que estes milionários e bilionários resolveram fazer uma autocrítica pública poderiam ler, estudar e praticar em suas corporações e em seus países o pedido que o Papa Francisco fez em seu documento: Economia que Desafia o Futuro. Proposta lançada para jovens economistas e empresários para promover um processo de mudança global(4).
Vou sintetizar os dez pontos centrais de sua proposta, usando o texto de Ladislau Dowbor – A Economia de Francisco (5):
Precisamos de Democracia Econômica para “gerar maior equilíbrio entre o Estado, as corporações e as organizações da sociedade civil. Não há democracia política sem democracia econômica”.
A Democracia participativa “não pode estar calcada apenas nas eleições, feitas de tempos em tempos. Com sistemas adequados de informação, gestão descentralizada e ampla participação da sociedade civil organizada precisamos alcançar outro nível de racionalidade na organização econômica e social. As novas tecnologias abrem imensos potenciais que se podem ser explorados”.
Taxar os fluxos financeiros é “essencial para assegurar a informação sobre os capitais especulativos, e para que os recursos financeiros possam financiar tanto a redução da desigualdade como para estimular processos produtivos sustentáveis. Os sistemas tributários no seu conjunto devem servir ao maior equilíbrio distributivo e à produtividade dos recursos”.
Criar um sistema de Renda básica universal “algumas coisas não podem faltar a ninguém, uma forma simples e direta, em particular com as técnicas modernas de transferência, é assegurar um mínimo para cada família. Não se trata de custos, pois a dinamização do consumo simples na base da sociedade dinamiza a economia e gera o retorno correspondente”.
Criar Políticas Sociais de acesso universal, público e gratuito “o acesso à saúde, educação, cultura, segurança, habitação e outros itens básicos de sobrevivência devem fazer parte das prioridades absolutas. Não se trata de custos, e sim de investimentos nas pessoas, que dinamizam a produtividade e liberam recursos das famílias para outras formas de consumo”.
Impulsionar o Desenvolvimento local integrado “somos populações hoje essencialmente urbanizadas, e o essencial das políticas que asseguram o bem-estar da comunidade e o manejo sustentável dos recursos naturais deve ter raízes em cada município, construindo assim o equilíbrio econômico, social e ambiental na própria base da sociedade”.
Transformar os Sistemas Financeiros em serviço público “o dinheiro que maneja o sistema financeiro tem origem nas nossas poupanças e impostos, constituem recursos do público e, neste sentido, devem responder às necessidades do desenvolvimento sustentável. Bancos públicos, comunitários, cooperativas de crédito e outras soluções, como moedas virtuais diversificadas, são essenciais para que as nossas opções tenham os recursos correspondentes”.
Socializar o conhecimento: “o conhecimento hoje constitui o principal fator de produção. Sendo imaterial, e indefinidamente reproduzível, podemos gerar uma sociedade não só devidamente informada, mas com acesso universal e gratuito aos avanços tecnológicos de ponta. Temos de rever o conjunto das políticas de patentes, copyrights, royalties de diversos tipos que travam desnecessariamente o acesso aos avanços. O conhecimento é um fator de produção cujo uso, contrariamente aos bens materiais, não reduz o estoque”.
Democratizar os meios de comunicação: “os recentes avanços do populismo de direita e a erosão dos processos democráticos mostram a que ponto o oligopólio dos meios de comunicação gera deformações insustentáveis, clima de acerbamento de divisões e aprofundamento de ódios e preconceitos. Uma sociedade informada é absolutamente essencial para o próprio funcionamento de uma economia a serviço do bem comum”.
Criar a Pedagogia da economia, “economia consiste essencialmente em regras do jogo pactuadas pela sociedade ou impostas por grupos de interesse. A democracia econômica depende vitalmente da compreensão generalizada dos mecanismos e das regras. Os currículos obscuros e falsamente científicos têm de ser substituídos por ferramentas de análise do mundo econômico real, de maneira a formar gestores competentes de uma economia voltada para o bem comum!”.
Nada a ver com as propostas neoliberais de extrema-direita e do capitalismo rentista da maioria absoluta dos milionários e bilionários atuais que determinam o funcionamento e a regulamentação da sociedade atual. Nada a ver com uma economia que gera guerras de dominação, sansões econômicas e controle sobre os bens naturais, que destroem nações, produzem um contingente enorme de imigrantes em busca de trabalho e vida e que aumenta a cada dia a miséria e a desigualdade social.
Para muitos as propostas do Papa Franciso, são apenas, palavras lançadas ao vento. Para outros tantos é um grito de socorro. Grite mais alto para os milionários e bilionários e os governos sustentados por eles, Papa Francisco.
Ver:
(1) https://www.brasil247.com/mundo/milionarios-lancam-carta-no-forum-economico-mundial-e-pedem-forcem-nos-a-pagar-mais-impostos
(2) https://www.brasil247.com/mundo/novo-bilionario-surge-a-cada-26-horas-desde-o-inicio-da-pandemia-segundo-oxfam
(3) THINK TANKS – são organizações de Ultradireita, bancados por bilionários, empresas, instituições com o objetivo de desestabilizar Governos Progressistas ou derrubá-los para impor a dominação do capital e garantir seus ganhos e lucros.
(4) https://www.vaticannews.va/pt/vaticano/news/2020-11/economia-francisco-proposta-jovens-assis.html
(5) https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/A-economia-de-Francisco-II/7/46161
Derci Pasqualotto
filósofo, sociólogo e educador popular.